O britânico
David Harvey, um dos maiores pensadores marxistas
do mundo e professor de antropologia na universidade de Nova Iorque, numa entrevista ao
The Wire , falou sobre os problemas decorrentes do projeto neoliberal, a relevância da crítica de Marx ao capitalismo no contexto actual e a ameaça ao trabalho da automação, e o impacto devastador que o corovirus já provocou na economia global. "A China, a segunda maior economia do mundo, desempenhou um papel fundamental para a recuperação do capitalismo global após a crise de 2007-2008. Os efeitos económicos estão agora fora de controle, tanto dentro da China como fora dela", sublinhou. A ruptura das cadeias produtivas implicará, entre outras coisas, redução abrupta dos níveis de consumo e despedimentos de trabalhadores". Refere o caso do turismo internacional, apontando-o como emblemático: “Este local de acumulação capitalista está morto; as companhias aéreas estão perto da falência, os hotéis estão vazios e o desemprego em massa no sector hoteleiro é iminente”.
Essa crise, salienta o pensador, exigirá a socialização de praticamente toda a economia dos Estados Unidos, sem que isso seja chamado de socialismo. Com a economia da China também debilitada, as únicas políticas que funcionarão para a recuperação da maior economia mundial serão muito mais socialistas do que qualquer coisa que o senador
Bernie Sanders tivesse proposto até aqui. E a grande ironia é que esses programas de resgate terão que iniciar ainda no governo de
Donald Trump.
David Harvey: " No neoliberalismo, aceita-se que o Estado desempenhe um papel activo na promoção de mudanças tecnológicas e acumulação infinita de capital através da promoção da mercantilização e monetização de tudo, juntamente com a formação de instituições poderosas (como os bancos centrais e o Fundo Monetário Internacional) e a reconstrução das concepções mentais do mundo em favor das liberdades neoliberais. Essa visão neoliberal é muito criticada como inadequada porque, como Marx mostra tão claramente na prática, apoia um mundo em que os ricos ficam mais ricos às custas do bem-estar e do trabalho explorado da população". Mas o pensador marxista também disse que o capital "não está num beco sem saída. Eu já disse no livro
The Brief History of Neoliberalism (2005) que o neoliberalismo não poderia sobreviver sem entrar em aliança com o autoritarismo do Estado".
No urbanismo. "A esquerda perdeu a batalha contra a automação na manufactura e corre o risco de repetir o seu registo sombrio nos serviços. Deveríamos dar as boas-vindas à IA nos serviços e promovê-la, mas tentando encontrar um caminho para uma alternativa socialista. A IA criará novos empregos e substituirá alguns. Precisamos nos adaptar a isso. A urbanização e a acumulação de capital andam de mãos dadas e esse é um dos aspectos do pensamento marxista historicamente subdesenvolvido. Agora metade da população mundial vive nas cidades. Portanto, as questões da vida quotidiana em ambientes construídos para fins de acumulação de capital são um grande problema e uma fonte de contradição e conflito".
Ao nível filosófico qual a influencia do pós-modernismo na vida social e a ideia de pós-verdade?.
"Como muitos outros movimentos culturais de base ampla e, até certo ponto, incoerentes, a viragem pós-moderna criou aberturas positivas, juntamente com absurdos e impactos retrógrados. Gostei do facto de ter aberto o perspectivismo e enfatizado o espaço, mas não pude ver nenhuma razão para que isso fosse antagónico ao marxismo, pois, no meu próprio trabalho, enfatizo como integrar espaço, geografias e perspectivismo ao marxismo. Mas como Eagleton apontou na época, o movimento foi longe demais, anulou a história, recusou a argumentação, estetizou a política e apostou tudo no carisma daqueles que contavam as histórias.
Donald Trump é um produto desse excesso pós-moderno".
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