Self by Marc Quinn
Eis um excelente texto de
João Lopes (blogue
Sound+Vision) sobre o linchamento do actual secretário-geral do Partido Socialista, atribuindo uma cota parte da responsabilidade à informação televisiva e jornalística que se tornou numa matilha desmiolada com instintos assassinos. Claro que o profissionalismo é algo que desconhecem.
"a) Não tenho especial admiração pelo discurso político de António José Seguro — vejo mesmo nele a condensação de um estilo (partilhado por inúmeras personalidades de esquerdas e direitas) em que se dispensam as dificuldades inerentes ao pensamento político, optando antes pela gestão de soundbytes mais ou menos anódinos, produzidos para reprodução imediata no espaço televisivo. E a que, como bem sabemos, esse espaço corresponde com diligente euforia.
b) Dito isto, há qualquer coisa de macabro no modo como, no espaço de 24 horas, a sua vitória nas eleições para o Parlamento Europeu foi imediata e mediaticamente transformada numa tragédia que só pode desembocar no seu linchamento político. Os primeiros sintomas de tal processo emergiram na noite eleitoral. Nas televisões (e nas rádios), a maior parte dos repórteres enquistava-se numa única inquietação: "Porque é que a vitória do PS foi este tão grande desastre?
c) Um observador incauto, chegado nesse momento ao nosso país, ligaria as televisões e rapidamente concluiria que estávamos a viver sob uma ditadura de PSD/CDS. Enganava-se, como é óbvio. Nada disto decorre de qualquer dispositivo censório, mas do triunfo de uma lógica (anti-)jornalística que deixou de ter qualquer paixão pela complexidade dos factos — o que nela se procura, e obsessivamente persegue, são as fissuras que podem transformar qualquer efeito de real no seu contrário.
d) Seguro ganhou as eleições? Pois bem, talvez se possa dizer que essa vitória não passa de... uma derrota. Este jornalismo "polémico" é, de facto, inimigo de qualquer hipótese de polemização — a polémica exige pensamento e argumentação, numa palavra, trabalho. Ora, em casos como este, trata-se apenas de criar ruído. Com o efeito perverso de, infantilmente, tudo reduzir a um determinismo grosseiro de "vencedores" e "vencidos". Faltou perguntar, por exemplo: "Porque é que a derrota do PSD/CDS foi este tão grande desastre?" — na certeza de que a apreciação da conjuntura política apenas através de tal pergunta seria, do mesmo modo, profundamente redutora.
e) É muito provável que, de uma maneira ou de outra, António José Seguro tenha os seus dias políticos contados. Não é isso que está em causa. É, isso sim, o facto de a política ter passado a ser vivida apenas através deste alarido mediático, predominantemente televisivo, em que tudo se reduz a saber quem, no meio do fogo cruzado de especulações e soundbytes, cai primeiro. A queda é mesmo um dos sintagmas preferidos da actual comunicação social, desse modo alimentando uma noção politicamente catastrofista, moralmente niilista, de qualquer dinâmica social. Talvez que a ausência das urnas de mais de 6 milhões de portugueses se possa explicar também por esta tão triste miséria cultural.