domingo, 26 de maio de 2013

Guerrilha cultural

Quatro décadas. Já? A aventura poética do &etc, uma publicação quinzenal que veio agitar as águas do establisment cultural, iniciou o seu percurso gloriosamente excepcional em 1973. Vinte cinco números. Só? Soube a pouco. Tenho a colecção encadernada com a assinatura do Victor Silva Tavares, um amigo que teve uma influência crucial e definitiva no meu pensamento.
WB- Um projecto de ruptura?
VST- Sim, com o sistema corporativo montado pelos representantes do neo-realismo mas também da linguagem e das narrativas vigentes.
WB- Era uma espécie de guerrilha cultural assumida?
VST- Completamente. Não tínhamos nenhuma ligação institucional nem política e estávamos em sintonia com o lado mais anarquista do Maio de 68. Fomos ocupar uma terra de ninguém. Começámos logo a estilhaçar numa posição de anti-carneirada. A censura foi, em todos os aspectos, muito violenta. Depois do 25 de Abril continuámos no mesmo rumo. Assistimos à criação de um novo establisment subordinado aos novos interesses.
WB- Porque é que acabou em 1974?
VST- Tratava-se de um projecto suicida. Não podíamos manter a revista. As devoluções eram maiores do que as tiragens, devido a certos expedientes da distribuidora. Um absurdo com direito a entrar no Guiness.
WB- Não achas que agora impera um certo provincianismo mental?
VST- De acordo. Nada tenho a ver com o mundo da chamada cultura actual. Dantes ainda havia algum idealismo, talentoso ou medíocre, que foi desaparecendo. Sempre preferi as pulsações ao marketing cultural. O discurso tornou-se cada vez mais vazio, assenta só na retórica.
WB- A juventude não se sente nada atraída pelo marginal. É muito formatada.
VST-Sempre aparecem alguns jovens mais atrevidotes, mas depressa se integram. De um momento para o outro surgem enterrados até às orelhas. É aquilo a que costumo chamar de acne juvenil. Do estilo Walter Hugo Avô. Estou na galáxia de Gutenberg há meio século e já me cruzei com muitas gerações.
WB- Continuam a bater-te à porta da editora? Muitos deles fingem ser aquilo que não são, encarnam personagens que não correspondem à sua experiência vivencial.
VST- Para a malta nova que me procura o &etc tem um carácter mítico. Há uns anos atrás era diferente, mas actualmente recebo quem me toca à campainha. Solicitam-me para dar entrevistas e eu dou-as. Lembro-me das conversas que tinha com o Almada Negreiros. "Não as peço, nem as agradeço mas concedo-as. É serviço público".
 

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