Anette Barcelo debruça-se sobre um enredo onde se movimentam figuras antropomórficas que se insinuam pelo sarcasmo. Vejo-as assim. Convida uma trupe de marionetas, filhos do sono ou da psicologia, a participar numa montagem ficcional. Como nos filmes. São o combustível da uma estratégia criativa, da visão sensorial que sustenta o seu mundo artístico povoado de fantasias, puras emanações não da razão porque essa engendra monstros. Onde são excluídas lucubrações ou labirintos infernais da psique. Prefiro falar de uma viagem metafisica e carnal que encontra uma tradução discursiva e é incorporada na pintura da artista. E que, sem sombra de dúvida, fortalecem os códigos simbólicos que utiliza. Num distanciamento deliberado dos clichés e estereótipos que se reproduzem na Internet à velocidade da luz. Mas a singularidade anula o lixo. Vivemos numa época de retórica camuflada em que temos de escolher um lado. As imagens estão em constante mudança, evoluindo, circulando.
Hábeis especuladores transformaram os ready mades na obra de arte. Repetir o gesto de Duchamp, abolir o conceito de obra e estipular o preço. As crenças liberais que sustentam o mundo da arte internacional e coincidem com a ascensão do neoliberalismo, estão a desfazer-se como gelo fino. Decidiam o que era a boa arte mas essa prerrogativa entrou em falência. É preciso desconstruir algumas fraudes epistemológicas nas quais assenta uma parte da ainda atual teorização e prática da arte contemporânea. Há artistas que consideram que estão a fazer grandes experimentalismos e ruturas, julgam-se a vanguarda de qualquer coisa quando na verdade, na sua mediocridade e irrelevância ainda não perceberem que a vanguarda não existe. Na sua agudeza critica, o livro Post Conceptual Condition do filósofo marxista Peter Osborne marca uma rutura com o concetualismo. "A ideia de contemporâneo é uma recusa da possibilidade de futuro presente."
O contraste das corporações mentais que distorcem a vida interior é flagrante. As temperaturas emocionais vão ganhando espaço. A dificuldade de construir uma individualidade nova e radical é talvez um dos problemas mais profundos do nosso tempo. Com o fracasso da vanguarda, a necessidade de recusa e subversão é ainda mais urgente, agora que foi incorporada pela economia e convertida para promoção e lucro.
Sem comentários:
Enviar um comentário