segunda-feira, 31 de março de 2014

Orlando Trindade

A oficina é visualmente apelativa e movimentada. Cruzam-se as conversas entre amigos e clientes do anfitrião que, enquanto arranja os instrumentos de corda, vai dissertando sobre o seu tema de eleição. Gosta de ampliar o sentido das palavras. Guitarras, violas, cavaquinhos...ah, a Gibson do fulano tal precisa de ser arranjada, já me esquecia. Durante um pedaço ficará entregue às mãos do mestre. Técnica , método e atenção. Palavras-chave nesta actividade. Mas há também um lado lúdico. A música está sempre ali. No largo São João de Deus, Caldas da Rainha. Já estava na infância de Orlando Trindade. "O meu pai, que foi emigrante em França, tocava acordeão e piano. Tinha discos dos Beatles, mas também ouvia os Abba e o Roberto Carlos. Lembro-me do nosso gira-discos, um Philips dos anos 60", relata. Assim foi crescendo na Benedita. As influências enformaram-lhe um pensamento, uma atitude, um percurso.

Começou por tocar viola acústica. Durante a escola secundária, na década de 90, actuava nos bares com bandas de hard rock. Sempre perto da música. "Ganhava 40 contos, desde muito jovem consegui a minha independência. Não frequentei a universidade". Recorda o primeiro emprego, quando fazia pequenas reparações de instrumentos musicais. A entrega ao trabalho, a perseverança, a ambição contribuíram para o arranque de uma profissão. "O trampolim foi o Carlos Tavares, um autor de instrumentos eléctricos. Considero decisiva a influência do Pedro Caldeira Cabral que me arranjou trabalhos. Graças a ele conheci várias pessoas", sublinha. Orlando define-se como um autodidacta que se tornou versátil. Recuemos a 2003, ao tempo em que exerceu as funções de assistente de Fernando Meireles, em Coimbra. Adquiridas as asas, ousou construir uma viola renascentista que viajou até ao Brasil. A partir daí abriram-se as portas. "Baseei-me num instrumento que se encontra no Museu da Música de Paris. Procurei as madeiras e investiguei. A reconstituição das maneiras de fazer perdidas apaixona-me...". Eis-lo instalado num campo específico onde o mercado é pequeno, mas "dá para sobreviver".

Metabolizou a música. "Estudei guitarra clássica, domino sobretudo instrumentos de corda dedilhada. Posso tocar com orquestras de câmara. É difícil viver da música, só uma minoria atinge um certo patamar. Na prática há mais cultura musical, mas com a crise económica não se pode encarar a música como meio de subsistência". Em termos de gosto é bastante ecléctico. "Interesso-me pela música antiga, mas não rejeito nenhum género musical", confessa. Já fez perto de 50 instrumentos. As encomendas das réplicas de violas barrocas vêm mais do estrangeiro. Elabora-os com minúcia, numa atitude oposta à teoria do aprender com os erros. Prefere antes prevenir do que remediar. "Pesquiso ao máximo para evitá-los. Nunca me aconteceu um falhanço completo. Tenho por hábito não me atirar para o fundo da piscina sem água. Nem mesmo o primeiro violino que fiz me envergonha", acrescenta. Na verdade sente-se apegado a todos. O som deste presente demasiado incerto não o demove do destino que traçou. Apesar dos prazos e das solicitações destila um entusiasmo contagiante.

A oficina. Gosto tanto da palavra. Um espaço acanhado, cheio de objectos resgatados, mas acolhedor. Nas paredes, numa minuciosa disposição, destacam-se as ferramentas, as coisas imprescindíveis e as violas que podem até chamar-se até campaniças. Tudo isto nos permite perceber a paixão serena com que Orlando Trindade, músico e criador de instrumentos musicais, se entrega à vida. Uma pitada de voragem também transparece, o que não é nada chocante.  

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