sábado, 22 de fevereiro de 2020

Vasco Pulido Valente (1941-2020)

Conheci o Vasco Pulido Valente nos anos 60, quando entrei para a Faculdade de Letras. Ele estava já no último ano do curso de filosofia e eu era uma simples caloira do curso de história. Mais tarde convivemos noites a fio na tertúlia do Gambrinus onde ficávamos à conversa e à bebida até às tantas da manhã.  Desde logo o considerei um tipo fora de série e nada fácil de digerir, o que me deixava perfeitamente rendida ao seu discurso acidulado e fuzilante. Dotado de uma inteligência inigualável e, por vezes, desconcertante, distinguia-se da mediocridade dominante nos meios académicos neste país dos pequeninos que agora anda fascinado com os algoritmos. Para o Big Brother é óptimo. Tem na mão os descerebrados, dependentes, indigentes e viciados. Sempre gostei de pessoas como o Vasco. Era um misto de admiração e de inveja o que sentia por ele que gozava comigo porque sabia ou desconfiava que eu era uma empenhada militante do PCP à cata de recrutar possíveis militantes no bar de Letras. Para mostrar serviço.Vasco não pertencia à classe dos contentinhos em vias de desenvolvimento, dos espertos contorcionistas que se esforçam por galgar os degraus do poder e sem escrúpulos de, se for preciso, alindarem o monstro. Os jornais e as televisões portuguesas estão a abarrotar dessa gente sem sabedoria, nem espinha dorsal. Vasco não era elitista, como alguns idiotas de serviço, papagaios engravatados no papel de comentadores, o acusavam. Tomem nota: o silêncio nunca foi de oiro. Vasco dizia o que pensava e o que lhe apetecia dizer. E era muito eficaz. Agora, depois da sua morte, aparecem as carpideiras a lamentar o desaparecimento do maior intelectual português que não suportava a parola garabolice nacional. "Nós somos formidáveis. Portugal está na moda, tudo isto é um símbolo do nosso fracasso".
"De mal a pior". Assino por baixo. Com a minha Bic azul.

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