quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Shellenberg mudou

"Como várias crianças da década de 70, eu tive a sorte de ser criado por hippies. Um dos meus heróis de infância foi o Stewart Brand. Além do Stewart ser um hippie original, ele é um dos primeiros ambientalistas modernos das décadas de 60 e 70. Quando criança, uma das minhas memórias favoritas era jogar os jogos cooperativos que o Stewart criou como antídoto para a Guerra do Vietnã. Sou da geração de cristãos pacifistas conhecidos como menonitas. E quando criança, em Agosto, recordávamos a bomba atômica que os EUA lançaram no Japão acendendo velas e colocando-as em barcos no Parque Bittersweet. Após me formar no ensino médio, durante a faculdade, eu levei várias delegações para a América Central para buscar a diplomacia, a paz e para apoiar as cooperativas de produtores locais na Guatemala, América Central e Nicarágua. Com o passar do tempo, viajei pelo mundo e estive em várias pequenas comunidades de todos os continentes. Aprendi a compreender que os jovens que entrevistei não queriam ficar presos na aldeia, não queriam passar o resto das suas vidas cortando e transportando madeira. A maioria deles quer ir para a cidade em busca de educação e trabalho. E eu percebi que este processo de urbanização, de mudar para a cidade, é algo benéfico para a natureza. Permite que o ambiente natural ressurja. Possibilita que os gorilas da montanha na África Central, por exemplo, uma espécie ameaçada de extinção, tenham o habitat que precisam para sobreviver e prosperar. E é claro que, nesse processo, você tem que pensar verticalmente. Até lugares como Hong Kong podem poupar o ambiente natural ao redor da cidade, mas isso requer uma grande quantidade de energia para construir. E o maior desafio da nossa época é: como conseguir eletricidade e energia confiável suficiente sem destruir o clima? Eu comecei como um activista antinuclear e me envolvi nas causas em prol da energia renovável. No início deste século, ajudei a criar um sindicato e uma aliança ambientalista chamada Apollo Alliance. E nós estimulamos o investimento em energia limpa: solar, eólica, carros elétricos.
Essa ideia foi aprimorada pelo presidente Obama. Durante a sua administração, investiu cerca de US$ 150 biliões para que a energia eólica, solar e os carros elétricos fossem acessíveis. Isso fez bastante sucesso, mas começamos a perceber alguns desafios. Conhecem alguns deles: a energia solar e a eólica geram eletricidade cerca de 10 a 30% do tempo, então dependemos do clima. Também descobrimos outros problemas. Às vezes, essas fontes geram mais energia do que o necessário. Ouve-se muita informação sobre baterias, mas não temos o armazenamento necessário. Até na Califórnia onde há,muito investimento, muitos em Silicon Valley estão investindo em tecnologia de armazenamento. Estamos tentando descobrir como gerir essas energias renováveis. Em 2005, quando estávamos lutando contra esse problema, Stewart Brand disse que deveríamos dar uma chance à energia nuclear. E isso foi um choque para o sistema. Quero dizer, para mim e para todos os meus amigos. Stewart foi um dos primeiros a defender a energia solar. No fim dos anos 60 e início dos 70, ele aconselhou o governador da Califórnia, mas ele disse: "Tentamos obter a energia solar há muito tempo". E na época... Menos de 0,5% da nossa eletricidade, mundialmente, vem da energia solar. Cerca de 2% vem da eólica e a maior parte é nuclear e hidrelétrica. E afirmou: "Apesar do que acham, de acordo com o IPCC, a energia nuclear emite quatro vezes menos carbono do que a solar". É por isso que sugeriram no último relatório que para alcançar a redução de emissões é necessário o uso intenso de energias renováveis, nuclear e captura e armazenamento de carbono.
Analisemos o caso da Alemanha que obtém a maior parte da sua eletricidade e dos combustíveis para o transporte, dos combustíveis fósseis. Só no sector elétrico, no ano passado, a Alemanha obteve 40% de sua eletricidade do carvão, 12% do gás natural, 13% da nuclear, 12% da eólica e cerca de 6% da solar. Para a eólica e solar atingirem 100%, você precisa fazer mais que isso. Se você substituir todo o setor de transporte por carros elétricos, você está buscando algo em torno de 150%. A Alemanha fez investimentos na energia renovável  para instalar a solar e a eólica. Mas esta é uma subida íngreme. Antes de questionarmos o armazenamento, temos que pensar nisso. Vamos olhar o que aconteceu no ano passado. No ano passado, a Alemanha instalou 4% a mais de painéis solares, mas gerou 3% menos de eletricidade solar. Em reuniões com especialistas da área, eu pergunto às pessoas se elas sabem porque isso acontece. Você vai ficar chocado em saber que muitos especialistas não fazem ideia. Não fez muito sol na Alemanha ano passado. Então isso significa que na Alemanha estava ventando mais? Como não está muito ensolarado, talvez haja mais vento e essas duas coisas podem-se equilibrar. Na verdade, a Alemanha instalou mais 11% de turbinas de vento em 2016, mas conseguiu 2% menos de energia eólica. Aconteceu a mesma coisa, não ventou muito ano passado. Vocês devem achar: "É só desenvolver mais a solar e a eólica para que, nos anos em que não houver muito sol e vento, haja mais eletricidade dessas fontes de energia". O objetivo da Alemanha é aumentar em 50% a eletricidade gerada pela energia solar. Haveria um aumento de 40 gigawatts para cerca de 50 gigawatts em 2030. Mas, se repetir o ano de 2016, isso significa que só gerará cerca de 9% do total de eletricidade da energia solar, e isso acontece no país que mais explora energia solar do mundo. A Alemanha é uma potência em eletricidade renovável. Então, a resposta óbvia é: "Vamos colocar tudo em baterias". Fala-se muito sobre baterias e talvez achem que temos armazenamento de sobra. A nossa equipa olhou os números na Califórnia, e descobrimos que temos 23 minutos de armazenamento de eletricidade para a rede da Califórnia. Para conseguir esses 23 minutos é necessário usar todas as baterias em todos os carros e camiões no estado. Imagino que saibam que, se quiser ir a algum lugar, isso não é muito prático. Na Alemanha pode ser um pouco diferente, mas não tanto assim. Muitas pessoas sabem que, ao fazer a transição para fontes renováveis, a Alemanha gastou muita eletricidade e o preço da eletricidade no país aumentou cerca de 50% nos últimos dez anos. Hoje, a eletricidade na Alemanha é quase duas vezes mais cara que na França. Devem pensar: "Olha, é algo necessário para mitigar as mudanças climáticas", e concordo com isso. Gastar um pouco mais com energia, principalmente para os países ricos, é uma atitude correcta para evitar alguns cenários catastróficos do aquecimento global. O interessante é que, quando você compara a França e a Alemanha no sector elétrico, a França obtém 93% da sua electricidade de fontes limpas de energia, na sua maioria hidrelétrica e nuclear. A Alemanha só obtém 46%, quase metade disso. E o mais impressionante é: as emissões de carbono na Alemanha têm aumentado desde 2009. Eles aumentaram as emissões nas últimas duas décadas, e talvez aumentem esse ano de novo. As emissões de carbono na Alemanha diminuíram desde os anos 90. Mas a maior parte é porque, após a reunificação, a Alemanha desativou várias fábricas de carvão na Alemanha Oriental. A maior parte dessa redução ocorreu por causa disso. Vamos analisar o ano passado. Uma das coisas que pode reduzir as emissões rapidamente é trocar o carvão pelo gás natural. O gás natural tem cerca de metade da intensidade de carbono do carvão, e isso ocasionaria uma redução significante de emissões de carbono no ano passado. Mas, a Alemanha desactivou a energia nuclear e, ao fazer isso, as emissões subiram novamente. Há algumas perguntas sobre o que acontecerá no futuro. Se investirmos mais na solar e eólica, isso não vai resolver o problema? Um dos desafios com relação a isso, veio de uma pessoa da Alemanha que não é a favor da energia nuclear. É um analista do setor de energia e economista. Ele descobriu que o problema que descrevi anteriormente, em que às vezes venta bastante em certas horas do dia ou do ano, ou faz muito sol e não se sabe o que fazer com isso, reduz o valor econômico da energia eólica e solar.
 A energia eólica, na verdade, tem o seu valor reduzido em 40% quando chega a 30% da sua eletricidade. E a solar é pior ainda. Ela diminui pela metade quando chega a 15%. Uma das coisas que se ouve é que se conseguimos fazer um tecto solar em pouco tempo. A solar é rápida num dia instala-se tudo. Enquanto demora cinco ou dez anos, dependendo de onde você está, para fazer uma fábrica nuclear. Então faz sentido pensar que seria mais rápido com a solar e a eólica. Mas isso foi estudado o ano passado num artigo para a revista Science. Um dos autores foi James Hansen, um famoso cientista. Descobrimos que, ao combinar a energia solar com a eólica, conseguimos menos eletricidade limpa do que usando a energia nuclear. E isso vale para a Alemanha e também para os Estados Unidos. Compararam os dez anos de maior desenvolvimento dessas tecnologias, solar-eólica versus nuclear. Essa é uma competição difícil. Posso imaginar o que você está pensando porque eu pensava assim. Eu dizia: "Bem, parece que vou ter que rever minhas atitudes sobre a nuclear. Mas e o acidente em Chernobyl? E o acidente em Fukushima? E o lixo nuclear?" Essas são questões pertinentes. E quando eu tentava responder, outras pessoas começavam a mudar de ideia. Uma delas me deixou bastante surpreso porque era muito influente. É um colunista de um jornal britânico chamado George Monbiot que escreveu uma coluna, logo após Fukushima, em que analisava a pesquisa científica sobre radiação. E ele disse o seguinte: "O movimento antinuclear do qual fiz parte enganou o mundo sobre os impactos da radiação na saúde humana". Eu escrevo algumas críticas às vezes, mas essa foi uma crítica dura e ele falava para um grupo de cientistas que estudou os grandes acidentes. Uma deles é Jerry Thomas, do Imperial College em Londres. Jerry criou o Chernobyl Tissue Bank por causa da sua preocupação em relação ao acidente. Ela é professora autônoma de patologia na Imperial College. E eu perguntei-lhe: "Gostaria de apresentar isto, mas não sou especialista, então posso usar sua apresentação? Vou colocar a sua, se me permitir". A primeira coisa que ela explica é que a maior parte da radiação ionizante, que talvez seja a mais prejudicial, surgida num acidente nuclear, na maior parte é natural. E eu pensei: "Bem, parece uma coisa boa. Gosto de comidas naturais, então a radiação natural deve ser boa como as fontes termais". E ela explica: "Na verdade, a radiação ionizante natural é tão prejudicial quanto a artificial". Então esse é o ponto principal. O interessante é que a quantidade de radiação ionizante a que estamos expostos, não só de Chernobyl e Fukushima, mas também dos testes de bomba atômica nos anos 60 e 70, gera apenas 0,3% da exposição. A maior parte da radiação vem da Terra, da nossa atmosfera ou dos prédios ao nosso redor. Chernobyl foi um caso grave que me fez desconfiar da energia nuclear e me influenciou a ser um activista antinuclear. As Nações Unidas realizaram vários estudos detalhados. Há vários cientistas que fazem essa pesquisa, então, a possibilidade de alguém forjar dados ou tentar encobrir algo, é muito pequena nesse cenário porque há vários cientistas diferentes e confiáveis em universidades ao redor do mundo que fazem a pesquisa. Então, acho que isso realmente foi um momento crítico para mim. Chernobyl é o pior acidente nuclear que já tivemos, e algumas pessoas dizem que não haverá outro pior. Não preciso fazer uma afirmação tão drástica, mas eles usavam um reator nuclear sem domo de contenção, e, ao pegar fogo, a chuva de radiação atingiu as pessoas. Foi um acidente horrível. Contaram os corpos e concluíram que foram 28 mortes por síndrome da radiação aguda, 15 mortes nos últimos 25 anos de cancro da tiróide, que, apesar de parecer horrível, é o melhor câncer para se ter, porque dificilmente alguém morre disso. É tratável, pode-se tomar tiroxina, um substituto sintético, ou fazer cirurgia. A maioria das pessoas que morreram viviam em áreas rurais isoladas e não conseguiam o tratamento médico adequado. E essas pessoas não morreram rápido, isso aconteceu quando estavam mais velhas. Não que isso seja algo bom, mas é para contextualizar. Não há prova científica de cancro de tiróide fora dos três principais países: Bielorrússia, Ucrânia e Rússia. Não causou infertilidade, má formação ou mortalidade infantil. Não há conclusões ou dados sobre desfechos indesejados na gravidez e não há registro de alteração genética. Não há registo de aumento de casos de cancro, inclusive em grupos de pessoas que apagaram o fogo e limparam o local. Eu fiquei surpreso com essa descoberta, então coloquei o link ali. E Fukushima? Esse foi o segundo pior desastre nuclear da história. Nesse caso, a liberação de radiação foi bem menor que em Chernobyl, e então descobrimos que não há mortes causadas pela exposição a radiação de Fukushima, o que é impressionante. Morreram 1,5 mil pessoas ao serem retiradas de asilos e de hospitais. Foi algo insano e caótico. O governo japonês não devia ter feito isso porque violou os padrões de como lidar com um desastre desse tipo. Deveria buscar abrigo no local. Ao retirar as pessoas de suas casas e movê-las pela rua durante o acidente, elas ficaram mais expostas à radiação. Temos que comparar isso com as outras coisas que aconteciam. Por exemplo, 15 a 20 mil pessoas morreram por afogamento, presas por diferentes tecnologias, mortas pelo tsunami.
É improvável haver um aumento do cancro de tiróide e o maior problema, é claro, é o stress e o medo de ter ficado contaminado quando as evidências sugerem que este não é o caso. Foi feito um estudo relevante. Trouxeram vários alunos de Paris para Fukushima, e eles levaram dosímetros. É assim que chamamos o antigo contador Geiger. E descobriram que, quando essas crianças passavam pelos sistemas de segurança, a radiação aumentava. Quando elas entravam no avião para Tóquio, a radiação aumentava. Quando iam para a embaixada da França, a radiação aumentava. Iwaki é uma cidade que não foi atingida pela nuvem radioativa. Tomioka foi atingida, mas em menor proporção, se comparar ao que ocorria no sistema de segurança. Analisemos alguns fundamentos para contextualizar. Se viver numa cidade grande, como Londres, Berlim ou Nova Iorque, sua taxa de mortalidade vai aumentar em 2,8% devido à poluição do ar. O teste da bomba atômica, nos anos 60, expôs as pessoas... Há tantas medições para a radiação. A revista médica britânica Lancet diz que a energia nuclear é mais segura para gerar eletricidade. E traz essa conclusão preocupante à qual o cientista James Hansen chegou recentemente, que diz que a energia nuclear já salvou 1,8 milhões de vidas. Não é algo que você escuta com frequência. E em relação aos resíduos? Este é o resíduo de uma usina nuclear nos EUA. O resíduo nuclear é o único resíduo de produção elétrica armazenado de forma segura. Todos os outros resíduos vão para o ambiente, do carvão, do gás... E chegamos a uma conclusão preocupante: não há um plano para reciclar painéis solares fora da União Europeia. Assim, todos na Califórnia vão se juntar à corrente do desperdício. Nós calculamos quanto resíduo tóxico... porque os painéis possuem metais pesados: chumbo, cromo e cádmio. Quanto de resíduo tóxico existe por causa dos painéis? Para se ter uma ideia, olhe quantos materiais são necessários para cada fonte de energia. E quando você calcula quantos painéis são necessários para produzir o mesmo de eletricidade que a nuclear, os painéis produzem 300 vezes mais resíduos que a nuclear, muito pouco é armazenado e ainda possui metais pesados tóxicos.
E as armas nucleares? Se tivesse uma probabilidade da energia nuclear aumentar a chance de guerra nuclear, eu seria contra. Eu sempre fui um pacifista. E ainda sou. A diplomacia é quase sempre a melhor solução. As pessoas dizem: "E a Coreia do Norte?" A Coreia é o melhor exemplo. Para conseguir energia nuclear no momento, tem sido assim por 50 anos, tem que concordar em não fazer uma arma, esse é o acordo. A Coreia do Sul queria a energia nuclear, aceitaram não fazer a arma. Eles não têm a arma. A Coreia do Norte queria energia nuclear, e acho que deviam ter permitido. Não permitimos que eles tivessem, por vários motivos, e eles fizeram a bomba. Estão testando mísseis que podem atingir o Japão. Em breve, poderão atingir a Califórnia. Se a energia nuclear levasse a bombas nucleares, e não há provas disso, a Coreia e vários outros teriam. Então, o que isso quer dizer? Acho que nos deixa com pensamentos preocupantes. Se a Alemanha não tivesse fechado as suas fábricas nucleares, as emissões seriam 43% menores do que são hoje. Quem se importa com a mudança climática, vai ter que lidar com isso. E considerar alguns desses factos sobre os prejuízos e benefícios das fontes de energia. Vou finalizar com uma citação de alguém que mudou de ideia. Alguém que foi um grande herói da minha infância, seu nome é Sting. "Se você vai lidar com o aquecimento global, a energia nuclear é a única maneira de criar muita energia." Muito obrigado. Agradeço pela sua participação". (Aplausos)

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