segunda-feira, 4 de maio de 2020

A estratégia sueca

Entrevista ao jornal Público do médico e epidemiologista sueco Johan Giesecke, professor do Instituto Karolinska, em Estocolmo, Consultor da Agência de Saúde Pública da Suécia, que ajudou a definir para este país escandinavo uma estratégia
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P: Sente-se mais confiante com a estratégia da Suécia agora que alguns países estão a sair do confinamento e a aproximarem-se do vosso modelo de combate à pandemia?

R-Sim, acho que é uma coisa boa. Mas foi demasiado tardio, porque o confinamento nunca devia ter começado. A estratégia tem também uma componente de confinamento mas é voluntária. Não há leis, não há polícia nas ruas. Mas a ideia principal por trás da estratégia sueca é que as pessoas não são estúpidas.

P: Pode explicar as diferenças da estratégia sueca? Passa pelo distanciamento social com algumas restrições, como as visitas aos lares de idosos, mantendo-se abertas as escolas com alunos dos zero aos 15 anos, tal como os restaurantes e bares?

R.A estratégia tem também uma componente de confinamento, mas é voluntária. Não há leis, não há polícia nas ruas. Mas a ideia principal por trás da estratégia sueca é que as pessoas não são estúpidas: se dissermos às pessoas que esta é uma boa forma de não ficarem infectadas, de proteger outras pessoas, elas normalmente fazem o que se lhes diz. Percebem e seguem os conselhos.

P: O comportamento nórdico é reproduzível nos países do Sul da Europa, em que as pessoas têm hábitos de maior proximidade física?

R-Penso que pode funcionar em qualquer país. Aqui também há distanciamento e só pode haver ajuntamentos de menos de 50 pessoas.

P: O que quero dizer é que uma certa distância social não é norma dos países do Sul, as pessoas estão habituadas a tocarem-se mais.

R. Percebo o que quer dizer, mas eu agora também não dou apertos de mãos. Provavelmente é melhor dar um abraço do que cumprimentar com as mãos. Por isso, lembro que também há alguma distância social na Suécia.

P: Ficou nervoso – ou as pessoas da agência nacional da saúde que aconselha – quando o Reino Unido voltou atrás e abandonou a chamada estratégia de “imunidade de grupo”?

R Sim. Foi um tempo difícil para a Suécia, porque antes tínhamos o Reino Unido do nosso lado, ou do mesmo lado. Para mim era mais fácil dizer: “Estamos a fazer o mesmo do que a Inglaterra.” Mas, de repente, quando apareceu o famoso artigo científico do Imperial College, fizeram uma inversão de 180 graus. Isso foi mau para nós.

P: Voltaram a olhar para os vossos dados? Que tipo de provas científicas fez a Suécia evitar o tipo de encerramento dos outros países?

R Decidimos muito cedo tomar apenas decisões baseadas em provas científicas. Quando olhamos para as restrições, há apenas duas que têm apoio científico: a primeira é “lavem as mãos!”, conhecida há 150 anos; a segunda é manter alguma distância das outras pessoas. Estes são os aspectos principais da política. O resto, como fechar as fronteiras, sabemos que não funciona, porque a doença vai entrar na mesma. Alguns defendem o encerramento das escolas, mas também não é muito certo que ajude. Muitas das medidas que foram tomadas pelos países não têm base científica.

P: Por isso, na sua opinião a Suécia usou melhores dados científicos, uma ciência melhor, do que os outros países?

R Acho que em muitos países, incluindo Portugal, os políticos quiseram mostrar que estava a actuar, que eram decididos, e tomaram muitas decisões com base em muito poucas provas científicas. Veja-se os nossos vizinhos, a Dinamarca e a Noruega, em ambos a opinião pública defendeu que não se fizesse um confinamento, mas os políticos decidiram o contrário.

P: O seu ponto de vista é que quando esses países em confinamento iniciarem a chamada “estratégia de saída” vão ter as mesmas mortes do que a Suécia já tem?

R Sim. Quando os países europeus pensaram em introduzir o confinamento, não houve um único na Europa que tivesse pensado na estratégia de saída. Dei por mim a pensar quando começaram a encerrar as escolas como é que iam conseguir sair desta estratégia. Interrogaram-se como acabar com as medidas e quais seriam as consequências? Nenhum país europeu tinha uma estratégia de saída quando instalou as medidas de confinamento.

P: Porque é que a Itália, a Espanha e o Reino Unido têm tantas mortes? Todas estas mortes — 26 mil, 20 mil — seriam necessárias? O que é que aconteceu aqui?

R As pessoas mais velhas foram infectadas muito cedo, especialmente em Itália. Tiveram a pouca sorte de a doença ter chegado a uma região com muita gente velha. Sabemos que as pessoas que morrem da infecção são os velhos e os mais vulneráveis – os grupos de risco. Isso também é verdade para Espanha e, até certo, ponto para o Reino Unido. Quando atinge os lares, não há como conseguir pará-la. Ela alastra-se a gente cada vez mais velha e não a conseguimos combater porque é demasiado contagiosa.

P: Por isso, não foram capazes de defender esses sistemas de saúde, que entraram em colapso, e não conseguiram tratar os mais idosos. Ou pensa que morreriam de qualquer forma?

R Alguns morreriam de qualquer forma. Na maior parte dos países o sistema de saúde não falhou.

P: Em Espanha e Itália…

R…Talvez um pouco. Mas no Reino Unido está a funcionar e na Suécia, o meu país, que ainda tem camas de cuidados intensivos, os números estão a descer. Claro que as pessoas estão a trabalhar em condições difíceis nos hospitais, porque há muita gente doente, mas o sistema está a funcionar.

P: A Suécia triplicou a capacidade de camas nos cuidados intensivos. Quantas camas com ventiladores têm neste momento?

R Qual é a população de Portugal neste momento?

P: Dez milhões, semelhante à sueca.

Temos cerca de 1500 camas de cuidados intensivos para todo o país, embora haja várias maneiras de contá-las. Ainda temos cerca de 100 a 150 camas vazias.

P: Por isso, a estratégia é proteger os sistemas nacionais de saúde porque nada, na sua opinião, pode impedir o vírus de se espalhar antes de se conseguir obter uma vacina?

R Penso que não conseguimos evitá-lo. A vacina vai levar, pelo menos, um ano e meio. Nessa altura, tudo isto terá acabado.

P: O número de mortes entre a Suécia e a Alemanha ou entre a Suécia e Portugal não será muito diferentes daqui a um ano, tendo em conta algumas diferenças populacionais?

R Não devemos contar os mortos agora porque é demasiado cedo. Daqui a um ano, conseguimos começar a ver quantas pessoas morreram da infecção pela covid-19 e não penso que vá haver grandes diferenças entre os países europeus. O número de mortes por covid-19 será quase o mesmo em todos os países europeus.

P: De certa maneira, todos os países estão a fazer erros. Quais são os da Suécia? O número de mortos entre os mais velhos?

R Sim, não conseguimos proteger as pessoas mais velhas. O vírus entrou nos lares e não conseguimos fazer face a isso. Isso podia ter sido evitado em parte. Mas, quanto mais penso nisso, não é possível evitar que o vírus entre nos quartos das pessoas mais velhas.

P: Porque é que colegas seus, alguns mesmo do Instituto Karolinska, apareceram a criticar a estratégia da Agência de Saúde Pública num jornal nacional?

R Isto é uma democracia e as pessoas estão autorizadas a ter outra opinião. Tem havido muita discussão na Suécia sobre a estratégia e é assim que dever ser.

P: Quão alta pensa que é a imunidade entre a população sueca neste momento?

R Atingirá cerca de 25% da população de Estocolmo. Não temos números para o total da população, mas a região de Estocolmo conta com cerca de 2,5 milhões de habitantes.

P: Mas isso não é uma projecção? Ainda não fizeram testes serológicos alargados, como é que sabem que é de 25%?

R Numa semana fizemos testes de PCR [procura de material genético do vírus] a 800 pessoas e 18 foram positivos. Com alguns cálculos, podemos dizer que para produzir uma prevalência de 2,5% num período tão curto significa que muitas, muitas pessoas têm que estar infectadas sem estarem doentes e sem sintomas. No início da pandemia, os testes serológicos [a anticorpos produzidos pelo sistema imunitário contra o vírus] feitos a profissionais de saúde de Estocolmo mostraram 22% de positivos, quase um quarto.

P: Podem fazer testes serológicos alargados agora?

R Sim.

P: Vão fazê-los?

R Sim, mas os testes ainda não são muito bons. Por isso, talvez daqui a algumas semanas façamos testes serológicos mais amplos.

P: Em relação às medidas de distanciamento social na Suécia, qual são as que vão ser levantadas primeiro?

R Provavelmente vamos manter estas medidas durante vários meses. Porque está a funcionar e não vamos mudá-las. Vamos só abrir as escolas dos alunos que têm 18 ou 19 anos, que vão regressar às aulas antes do Verão.

P: São os que estão a acabar o secundário e têm que fazer os exames?

R Exactamente.

P: Foi o cientista-chefe do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), que tem a sede na Suécia. Como é que vê o papel do ECDC durante a primeira fase da pandemia?

R Eles parecem estar a fazer coisas estranhas. Eu devia ter ficado lá… Estou a brincar! Definiram uma política sobre máscaras que não tenho a certeza se é boa. Fazem projecções para os Estados-membros que não percebo como aparecem.

P: Não concorda com o uso de uma máscara no exterior?

R-Não ajuda.

P: É mais importante manter a distância entre as pessoas?

R Sim. É outra vez o mesmo que disse no início, há muito poucas provas de que a máscara ajuda.

P: Está no grupo de risco, porque tem 70 anos. Sente que está vulnerável?

R Estou no grupo, mas não me sinto vulnerável. Talvez esteja simplesmente a ser estúpido, não sei. Sou velho, mas estou em bastante boa forma.

P: Qual é o conselho para as pessoas da sua idade?

R Não sei o que se está a passar em Portugal, mas muita gente mais velha na Suécia pensa que tem de ficar dentro de casa e nunca sair. Penso que isso é muito estúpido. Façam um passeio de uma hora todas as manhãs. Não se misturem com outras pessoas, mas passeiem no parque ou ao longo do Tejo. Mas não fiquem é fechados em casa todos o dia.

P: E como é que faz com a família? Com os netos?

R-Não sei o que se está a passar em Portugal, mas muita gente mais velha na Suécia pensa que tem que ficar dentro de casa e nunca sair. Penso que isso é muito estúpido.
Tenho oito netos e não os vejo há um mês.

P: O que é que vai fazer até ao final do ano?

R Vamos todos reunir-nos daqui a um mês. As pessoas podem sempre reunir-se no exterior. Se se reunirem no exterior a infecção não se espalha. E mantenham as distâncias.

P: Porque é que diz que todo este confinamento é um risco para a democracia?

R O que é que aconteceu na Hungria? Obran é agora um ditador para toda a vida. A maior ameaça desta epidemia é os países ficarem menos democráticos.

P: Como é que acha que a pandemia vai acabar?

R Quando os países levantarem as restrições uma a uma, as lojas passam a poder estar abertas, testando durante duas ou três semanas se a doença de está a espalhar mais, voltando atrás se for caso disso. Depois testam-se as escolas, conclui-se que funciona bastante bem… Vai levar meses para os países testarem isso.

P: Por isso, todos vamos ser como a Suécia nos próximos meses?

R Sim, penso que vamos todos ser como a Suécia.

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