segunda-feira, 11 de maio de 2020

Sopa de Wuhan

O documento Sopa de Wuhan, lançado por reputados intelectuais marxistas como David Harvey, Slavoj Zizek, Giorgio Agamben, Judith Butler e Alain Badiou, defendem "teses que relacionam o regime chinês a um “despotismo oriental”.Algumas das melhores e mais brilhantes cabeças da vanguarda do pensamento sobre o Covid-19. Um excelente mapa de viagem é a  uma coletânea de ensaios independente publicada em língua espanhola.
Mais de uma dezena de pensadores decidiram pensar o mundo entre e pós pandemia. Há um esforço de compreensão do futuro imediato sob as lentes de um pensamento crítico de esquerda. O documento está disponível livremente em PDF na internet. Demonstram que a China, após a pandemia, poderá ter o monopólio da exportação das tecnologias digitais que cercam a formação daquele “Estado policial”. Alain Badiou qualifica a China como o “próximo imperialismo”. Curiosamente ou não, alguns intelectuais brasileiros, dinossauros próximos do Partido Comunista Brasileiro arrasaram os textos. Vieram defender a China com unhas e dentes. Mas, voltando à Sopa de Wuhan, a maioria dos compilados têm matrizes comuns na crítica ideológica, marcada pelas suas versões psicanalíticas e das teorias dos descontrucionismos. Franco Berardi (Bifo) ícone do movimento estudantil de 1968 e agora professor de filosofia em Bolonha, propõe o conceito de "deflação psíquica" para explicar a dificílima situação por que estamos passando. Estamos vivendo numa "epidemia psíquica... gerada por um vírus, no momento em que a Terra atingiu um estágio de extrema irritação e o corpo colectivo da sociedade sofre, o que vem acontecendo já há bastante tempo, um estado de tensão intolerável: a doença se manifesta nesse estágio, devastando as esferas sociais e psíquicas, como uma reacção de auto-defesa do corpo planetário".
 A excepção mais marcada talvez seja a de David Harvey, um marxista mais à moda antiga, crítico acérrimo de Foucault e do pós-estruturalismo, posições que reflectem a crisis e a  fragmentação da esquerda. O filósofo croata Srecko Horvat  traz uma hipótese menos conceptual e mais realista sobre o futuro imediato: "O medo da pandemia é mais perigoso do que o próprio vírus. As imagens apocalípticas da media de massa escondem um nexo profundo entre a extrema-direita e a economia capitalista. Tal como um vírus que precisa de células vivas para se reproduzir, o capitalismo irá se adaptar à bio-política do século XXI.
O artigo intitulado A invenção de uma Epidemia do italiano Giorgio Agamben, sustenta que, como a ideia de terrorismo agora vacilou, o coronavírus funciona como a estrutura ideal (pretexto) para a aplicação desse paradigma que é o estado policial porque "as medidas frenéticas, irracionais e injustificadas contra um vírus cuja mortalidade muito baixa não é superior à de uma gripe normal".. O cientista político argentino Andrés Malamud argumentou que, embora os dados apresentados pela Agamben sejam verdadeiros e a sua mortalidade seja muito baixa, devemos pensar no problema em relação à capacidade dos sistemas de saúde em todo o mundo, porque existem outros 5% de pessoas que "terão dificuldades" e precisam de cuidados especializados. O resumo de Agamben foi publicado no final de Fevereiro, antes do colapso do sistema de saúde italiano. A pandemia não é apenas um exagero, porque, como o título indica, é uma invenção. A teoria bio-política afirma que o controlo sobre os corpos se manifesta de várias maneiras; Mas, se o terrorismo falha, por que recorrer a esse pretexto que afecta tanto a economia capitalista? Quem inventou a pandemia, a OMS, os governos, os cientistas, um conluio entre deles? Como apenas controlar a nós mesmos não pode ser o objectivo, o que eles perseguem se a economia cair? É mais importante manter (apesar de não sabermos exactamente quem) o estado de emergência, apesar da sua devastação? Para Agamben  a ciência moderna é uma nova religião. Critica o modo como a ciência cria discursos e os posiciona como verdades,
Quanto a Zizek repete a expectativa infinita da queda inexorável do capitalismo. Para o químico e filósofo catalão Santiago Lopez Petit, o coronavírus pode ser visto como uma declaração de guerra: "O neoliberalismo, sem vergonha, se fantasia de estado de guerra. O capital está apavorado", mesmo que "a incerteza e a insegurança invalidem a necessidade de um tal estado". No entanto, pode haver possibilidades criativas quando  a vida obscura e incalculável na sua ambivalência, escapa do algoritmo". Bem é muito reconfortante ler estes intelectuais...estou nesta.

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